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Já aprendeu a lidar com a raiva?

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Carla estava numa lanchonete com seu esposo Ricardo (nomes fictícios). Conversavam, quando o assunto tocou num ponto que Carla achou ser uma atitude odiosa que uma amiga dos dois teve. Esta amiga era casada com um homem com câncer terminal, e mesmo assim ela se envolveu num “caso” com outro homem. Carla achou esta atitude da amiga como repugnante e imoral. Mas para seu espanto, Ricardo não concordou com ela, pelo menos não completamente, e disse: “É terrível o que esta mulher fez, mas acho que posso compreender o estresse dela. Imagine alguém que você ama e que está morrendo! Isto pode ser tão pesado que uma pessoa pode querer algum alívio, de qualquer tipo!” E acrescentou: “Claro, se ela se envolveu com outro homem e realmente se apaixonou, aí seria demais! Mas sem ter se apaixonado, pode ter sido somente algo físico, e, assim, poderia ser justificado por causa da forte necessidade sexual dela e por causa da perda iminente do marido.”

Imediatamente Carla parou de comer, colocou com força e barulho os talheres na mesa e disse irritada: “Mas isso é uma traição no leito de morte!”, olhando Ricardo com desespero.  E acrescentou com raiva: “Para mim é uma atitude de profanar o relacionamento!”

Antes que Ricardo pudesse dizer algo, Carla continuou, sem notar que falava alto e pessoas ao lado escutavam: “Para mim esta atitude dela é tão fora de princípios que acho uma loucura você defender o que ela fez!” Ricardo ficou sem graça e não disse nada. Seu corpo ficou tenso e ele permaneceu olhando para seu prato.

Carla, em tom um pouco mais baixo, porém sarcasticamente disse: “É, talvez você se aliviaria devido ao estresse, mas isto não anularia o fato de que a pessoa no leito de morte é sua companheira.” Seu olhar para Ricardo era de indignação. “Como alguém poderia fazer isto?”, ela perguntou, com um misto de raiva e susto.

Ricardo, então, tentou explicar com paciência e tolerância, que no caso de uma doença de longa data e debilitante num esposo, exige da companheira constante carinho e cuidado e isto produz esgotamento a ponto dela necessitar de cuidados também. Disse ainda, que as coisas poderiam se tornar mais fáceis para todos se existisse alguém que fosse confortador para ela, e até relaxante na área sexual.

Com raiva crescente Carla disse: “Acho isto perverso! É uma maneira vil e desonrosa de lidar com alguém que você considera. Acho abusiva totalmente!” Ao falar isso seu corpo chegou a se levantar da cadeira. Ricardo pediu: “Por favor, sente-se.” Ela obedeceu automaticamente, mas em dois segundos, furiosa por ter obedecido a ele, se levantou, pegou sua bolsa, saiu batendo os pés com força no chão ao dar as passadas carregadas de ódio e voltou para casa sozinha.

Quando Ricardo voltou para casa meia hora após, ele estava muito chateado com o escândalo que ela havia feito no ambiente público, ao falar alto e nervosíssima com ele. O evento no restaurante era como se eles estivessem trocando insultos e discutindo coisas dolorosas do passado como casal, e de repente a discussão cessou, como acontece com frequência entre casais, sem ambos resolverem ou mesmo compreenderem as coisas cruciais da luta ali na lanchonete.

Tais coisas não processadas, como um lixo que você acumula, tendem a reter odores azedos e contaminação dentro de um relacionamento íntimo. Você pode perguntar: “Mas como as coisas poderiam ter sido diferentes neste caso?”

Primeiro de tudo, não há nada de errado com o sentimento de raiva. A raiva é uma reação humana normal diante de um fator estressante, bem comum numa situação na qual a pessoa crê que sua autoestima está sendo ameaçada. A dificuldade é que quando alguém começa a sentir raiva, ele/ela tende a comunicar aquele sentimento com força demais e com uma carga emocional muito grande. Daí se começa a perder o controle. Na parte 2 iremos ver como fazer para lidar com a raiva.


Na parte 1 vimos que uma mulher ficou furiosa com seu marido numa lanchonete, ao ele emitir uma opinião pessoal sobre um assunto. Ela perdeu o controle, e surgiu uma discussão. A raiva tomou conta dela, gerando uma atitude ruim para ambos, evitável caso ela soubesse lidar com a raiva. Como?

É comum a pessoa com raiva violar limites entre o que alguém fez/disse, e a intenção deste alguém, a qual pode não ter sido ataque ou querer ferir. Na história, Carla agressivamente invadiu o espaço emocional de Ricardo sem parar para refletir que a intenção do que ele disse não tinha nada que ver com querer feri-la ou atacá-la. Quando a pessoa enraivecida ataca, a outra pessoa se sente agredida e má compreendida. A sensação não é de que o ataque foi dirigido para o comentário feito, mas para a pessoa. Carla se sentiu ferida e viu Ricardo como querendo mesmo feri-la.

O casal começou a argumentar sobre duas coisas diferentes. Carla seguiu com raiva crescente diante do comentário de Ricardo, e este tentava se defender do que lhe chegou como ofensa pessoal. Duas coisas diferentes! É como se um dissesse: “Minhas maçãs são melhores do que suas laranjas!” E outro retrucasse: “Não, minhas laranjas são melhores do que suas maçãs!” Não falavam da mesma coisa e nem percebiam!

O diálogo tenso na lanchonete era sobre algo abstrato, com significado profundo para Carla. Quando Ricardo disse que compreendia o comportamento da amiga deles (ter tido um caso com outro homem, enquanto seu marido morria de câncer), ele não estava falando que isto era moralmente correto ou que ele faria a mesma coisa se estivesse naquela situação. Mas foi o que Carla escutou. No calor da discussão, cada um perdeu a visão do outro e do que cada um pensava e sentia. É comum a discussão sobre um assunto se tornar a discussão sobre muitos assuntos. A luta é como um poderoso ímã que atrai e pega todas as lutas não resolvidas do passado.

Que fazer? Primeiro: bloquear a escalada da discussão e manter o foco no tema levantado no momento, deixando de lado os problemas do passado. Segundo: não tentar negociar uma resolução enquanto um ou ambos estão furiosos.

Em resumo: tão logo a discussão tensa comece, se deve dar para a pessoa que está ficando enraivecida uns 10 a 15 minutos para que ela possa dizer ao outro o por que está com raiva, com o que ela acha que assunto se relaciona, e quais são os sentimentos abaixo da superfície da raiva que ela está comunicando.

Se tivessem seguido estes passos, poderiam ter dado um cessar-fogo logo que a discussão tivesse começado a crescer. Daí Carla poderia explicar de modo mais claro o impacto que os comentários de Ricardo tiveram sobre ela, então, poderia ter falado, ao ter parado e refletido: “Por que estou com tanta raiva?” E poderia concluir e dizer para ele: “Estou com raiva porque você parece sem coração. Olho para você e sinto que você está sendo muito lógico e razoável, mas que demonstra empatia de um sapo ou lagarto. Até onde percebo, você está agindo mais como um computador do que como um ser humano. Você tem respostas “lógicas”, mas não mostra ter compromisso ao falar isto.”

Se ela pudesse parar e pensar (Ricardo permitindo, evitando discutir), poderia ter refletido: “Qual é o problema?” E poderia ter dito a ele: “O que você disse me faz sentir que você me abandonará. Já que nunca tive bom relacionamento com meu pai, não me surpreenderia se você me largasse quando mais precisasse de você. Esta ideia me assusta terrivelmente ao você funcionar com lógica e frieza.”

Tendo serenidade, ela poderia ter se perguntado: “Que sentimentos tenho debaixo da raiva?” Talvez concluísse: “Me sinto ameaçada. É como se seu compromisso comigo fosse parcial, e que você não estaria ali para mim. Ao você falar isto, me faz questionar se você me ama mesmo, ou se você se desconectaria de mim em certas circunstâncias. Entende agora como o que você disse me perturbou?”

Quando se chega nos sentimentos debaixo da raiva, é comum que uma boa porção da raiva se dissipe. E ao você escutar a raiva sem interromper, pode com menos dificuldade compreender o impacto de seu comportamento sobre a pessoa. Ricardo poderia ter percebido o quanto sua racionalização atingira Carla. Ele poderia compreender e empatizar com os sentimentos que surgiram nela.

O melhor é: quando a pessoa enraivecida tiver tido a oportunidade de falar tudo, o companheiro(a) não deve responder nada. E, na medida em que o raivoso(a) foi ouvido(a) sem contra-ataques do outro, a dor diminuiu, a raiva passa, talvez dê para compreender a causa dela, então ambos podem começar a negociar o problema e tentar alcançar uma solução aceitável.

Editado de “Anger and how to handle it”, Maggie Scarf, 1992.

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Artigo Já aprendeu a lidar com a raiva? publicado em PortalNatural.com.br.


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